Em um momento histórico para a representatividade LGBTQIAPN+ no Brasil, a atriz e diretora Bianca Comparato assume o comando da primeira audionovela brasileira sáfica da Audible, "No Espaço entre Nós". Lançada simbolicamente em 29 de agosto, Dia da Visibilidade Lésbica, a produção traz uma história de amor única que transcende as fronteiras do convencional, mesclando romance e ficção científica.

Com um elenco estelar que inclui Alice Carvalho e Alanis Guillen nos papéis principais, como Lilith e Maitê respectivamente, Yara de Novaes, que interpreta Suzy, dona da empresa Opus e chefe de Maitê, Camila Fremder, que dá voz a Ariel, uma assistente de IA, Gero Camilo que narra o personagem Dr. César, psicólogo de Maitê, Pedro Ottoni é Leo, que também trabalha na Opus, e Gabriela Medeiros faz a voz de Mariana, irmã de Maitê. A trama acompanha o relacionamento entre Lilith, uma Inteligência Artificial isolada no espaço, e Maitê Rangel, uma brilhante psicóloga especializada em saúde mental de tripulações espaciais. Em entrevista exclusiva, Comparato nos conta sobre os desafios e descobertas na direção deste projeto pioneiro.

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Foto de Jorge Bispo

Bianca, como sempre, é um prazer encontrar e conversar com você! Como diretora, qual foi o maior desafio em traduzir uma história de amor LGBTQIAPN+ para um formato puramente sonoro?
Bianca: O maior desafio pra mim foi sair de atalhos e opções já testadas em áudio. Fiz um esforço grande para evitar narração, cenas dos personagens falando ao telefone, deixando recados, etc… Quis que a experiência do ouvinte era de que ele estivesse escutando um filme e montando as imagens na sua cabeça. Outro desafio grande foi estabelecer o ponto de escuta e o ponto de vista das personagens. Inicialmente só teríamos o ponto de vista de Maitê, mas durante a edição testamos várias formas até chegar na passagem de ponto de vista para Lilith, uma IA com características humanas, e para Suzy, dona da empresa que criou Lilith. (Ali experimentamos cortes arriscados mas que, ao meu ver, deram certo. Outro desafio foram as transições entre cenas. A gente tentou usar o recurso do corte seco em alguns momentos e também usamos um forma de entrecortar pequenos sons juntos para mostrar que houve uma passagem de tempo, estilo o que o Darren Aronofsky faz em Réquiem para um Sonho, mas aqui fizemos isso só com o som.

'No Espaço Entre Nós' é a primeira audionovela sáfica lançada pela Audible no Brasil. Como você enxerga a responsabilidade de abrir esse caminho e qual a importância dessa representatividade no universo do áudio?
Bianca: Quando colocamos histórias sáficas à margem da narrativa central, que é o mais comum de acontecer principalmente em novelas mainstream, evitamos que essas histórias sejam aprofundadas. Aqui tivemos a oportunidade de colar essa história no centro, no “meio do rio”, nas águas profundas. E quanto mais a gente pode aprofundar, mais humanas e relacionáveis essas histórias ficam. Gostaria que todos os casais, sejam lésbicas ou não, pudessem se ver em Lilith e Maitê, porque é uma relação de amor como qualquer outra. Eu escolhi cada pessoa do projeto, dirigi, fiz uma participação como atriz, escolhi cada sonzinho, dirigi até a campanha. É um projeto que tem muito de mim, das minhas experiências, minhas relações.

Sua experiência como atriz influenciou sua abordagem na direção? Como foi essa transição para o outro lado?
Sim. Influenciou muito, fiz tudo que eu como atriz sonho que um diretor fizesse comigo. Foi uma transição natural, confesso que quanto mais que dirigia, mais parecia que já fazia isso há tempos. Aprendi muito, mas também fluiu com naturalidade. Eu adorei a experiência e adoraria fazer mais.

A intimidade e os momentos românticos são elementos cruciais em uma novela sáfica. Como você trabalhou a construção dessa atmosfera usando apenas elementos sonoros?
Foi um trabalho detalhista. Como sugerir o suficiente para que o ouvinte tivesse os elementos suficientes para imaginar, sem exagerar nos elementos. Aprendi que no áudio, menos é mais. Confesso que até hoje não sei como conseguimos ter cenas de sexo numa história como essa, onde uma das personagens é uma IA. Desejo também é projeção, acho que fomos nesse ponto e deu certo. Mas sem perder a elegância, deixamos a sugestão. Confesso que hoje acho mais sexy uma cena dessa em áudio do que com imagem, por que assim o ouvinte pode projetar a imagem que ele quiser na cena, apenas guiado pela voz dos atores. Mas essas cenas eu pude gravar num ambiente seguro, onde as atrizes se sentissem confortáveis. Pedi que todos saíssem da sala e deixei elas sozinhas para fazer o que elas quisessem.

O formato de audionovela ainda é relativamente novo no Brasil. O que você espera que 'No Espaço Entre Nós' represente para o futuro desse formato no país?
Espero que abra mais esse mercado para nós. Mais um campo de atuação, que ajuda a solidificar nossa indústria. Sinto que esse tipo de conteúdo é mais comum na América do Norte e na Europa, espero que se torne tão popular aqui quanto é lá.

Como foi o processo de escolha das vozes e direção das atrizes para criar uma química convincente em uma história de amor contada apenas pelo áudio?
Desde a criação eu já imaginava o elenco. Fico feliz que tenha conseguido fechar o meu elenco dos sonhos. Muitos deles puderam gravar juntos, outros gravaram separados, mas todos pelo menos ensaiaram juntos. Tive a honra de trabalhar com o Gero Camilo que ganhou Kikito de melhor ator esse ano, e a premiadíssima Yara de Novaes. Devo confessar que estava nervosa em dirigi-la, nem sabia o que dizer de tão perfeita que ela é. Sempre imaginei a Lilith sendo a Alice Carvalho com o sotaque nordestino dela, uma das grandes atrizes desse país hoje, e Alanis Guillen que tem a voz mais linda e aveludada, além de um grande talento. Sem falar na Gabriela Medeiros que é uma gênia e o Pedro Ottoni muito talentoso.
Para ajudar na naturalidade e movimento das cenas eu usei lapelas, então muitas vezes pedi que os atores ficassem soltos no estúdio e fizessem a cena mesmo, a vera, com alguns objetos. Isso ajudou a sair do tom de narração que muitas vezes esse tipo de trabalho em áudio pode gerar.

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Foto de Jorge Bispo