No dia 08 de junho de 2022, uma quarta-feira, o primeiro episódio do podcast A Mulher da Casa Abandonada ia ao ar em quase todos os agregadores de áudios no Brasil. Escrito e apresentado pelo jornalista Chico Felitti, o primeiro dos sete episódios arrebatou os ouvintes, já que a tentativa de impedir que uma árvore fosse cortada na capital paulista, se desdobra em um passado terrível de agressão, escravidão e fuga entre o Brasil e Estados Unidos.

Para celebrar a estreia da série documental de três episódios A Mulher da Casa Abandonada no Prime Video, o About Amazon conversou com Chico.

Hey Chico! É um prazer conversar com você sobre esse grande sucesso! Como surgiu a ideia inicial de investigar a história de Margarida Bonetti? O que primeiro chamou sua atenção nesta casa abandonada em Higienópolis?
Chico: Essa história nasceu com a minha mudança para Higienópolis, perto da pandemia. Durante a quarentena, as poucas vezes que eu saí de casa foram para passear com as minhas cachorras, e nessas andanças a gente passava na frente de uma mansão que eu pensava estar fechada e condenada, porque o imóvel estava num estado de abandono. Depois de alguns meses, eu me deparei com uma mulher vivendo nessa casa abandonada. E então a minha curiosidade pessoal se casou com a profissional: como podia uma pessoa estar vivendo naquelas condições? De primeira, eu achei que fosse ser uma história sobre uma pessoa que restou de uma família decadente. Mas, por obra do acaso, descobri que essa mulher era, na verdade, procurada pelo FBI.

Durante a investigação para o podcast, você imaginava que esta história poderia se transformar em uma série? Em que momento essa possibilidade começou a se materializar?
Chico: Durante a investigação do podcast eu não tinha nem certeza de que essa história se tornaria um podcast. Era um assunto tão sussurrado, com poucas pessoas dispostas a falar sobre o crime do qual Margarida Bonetti foi acusada, que parecia que essa história não sairia. É até por isso que eu louvo muito o talento da diretora Katia Lund e da Mari Paiva e os demais roteiristas. Juntas, elas conseguiram pegar um caso que é velado e difícil de revelar e transformar numa série documental completa e impressionante.

Qual foi sua reação ao saber que "A Mulher da Casa Abandonada" seria adaptada pelo Prime Video? Como foi o processo de transformar uma narrativa sonora em visual?
Chico: Eu fiquei muito feliz ao saber que "A Mulher da Casa Abandonada" viraria uma série nas mãos da Katia Lund e do Prime Video. Porque o podcast cobria um lado desse caso, mas havia ainda muita história para contar sobre o que aconteceu nos Estados Unidos. E faltava também a perspectiva de uma pessoa essencial para esse caso, que protagoniza a série.

Para a série documental, você voltou a investigar o caso. Quais novos elementos ou perspectivas a série traz que não puderam ser explorados no formato podcast?
Chico: Na verdade, esse é um caso que nunca se encerrou. Faz mil dias que eu tenho contato com informações novas sobre essa história. Todos os dias recebo uma mensagem, e-mail ou ligação de alguém que tenha vivido um aspecto desse crime e que quer conversar. E muitos desses contatos se mostraram importantes para a série. Como de um jovem que me procurou dizendo que Margarida Bonetti tinha morado nos fundos da casa da família dele, quando ele era criança. Só que na época, ali no começo dos anos 2000, ela se apresentava com outro nome. E esses contatos foram importantes para a série, que se aprofunda ainda mais nessa história, se comparada ao podcast. Na série, por exemplo, a gente consegue entender melhor como Margarida Bonetti conseguiu fugir de um julgamento aqui no Brasil. E tem a ver com esse jovem do interior que um belo dia me mandou uma mensagem no Instagram.

Como foi conhecer Hilda e conseguir convencê-la a participar do documentário?
Chico: A entrevista com a Hilda Rosa é um mérito total da Katia Lund. Eu tinha um contato dela, mas na época do podcast a Dona Hilda tinha preferido não falar. Foram a Katia e sua equipe que conseguiram se aproximar da Hilda, criar um vínculo com ela e, depois de meses de contato próximo e atencioso, ouvir da própria Hilda que ela queria fazer parte da série. Porque achava que contar sua história poderia evitar que ela se repetisse com outras pessoas.

O podcast gerou um imenso debate público sobre justiça, privilégio, responsabilidade social e escravidão moderna. Como a série aborda esses temas sensíveis?
Chico: A série aborda de frente esses tópicos, de justiça a privilégio. E consegue mostrar como esse caso específico pode ser extraordinário, por envolver o governo dos EUA e uma mansão em pandarecos, mas está longe de ser o único caso de exploração do trabalho doméstico no Brasil.

Como foi trabalhar com a equipe de produção da série? Você participou ativamente do processo de adaptação?
Chico: Eu prefiro dizer que eu tentei não atrapalhar a equipe da série, e ajudei nas poucas coisas em que podia. Por reconhecer que o audiovisual é um bicho completamente diferente dos meus trabalhos, em áudio e em livro, eu preferi confiar no talento da Katia Lund, da Mari Paiva e de todas as demais pessoas envolvidas em fazer a série. E é muita gente, né? Mas todo o contato com tive com elas nesses três anos foi ótimo.

A história teve desdobramentos após o lançamento do podcast. Algum desses desenvolvimentos mais recentes será abordado na série?
Chico: A série já abre com cenas de dezenas de pessoas na frente da casa abandonada, enquanto a polícia entra. Então é um ponto de partida mais avançado temporalmente do que no podcast. E não para por aí: a série mostra também como a coragem da Dona Hilda de depôr sobre o que aconteceu com ela foi capaz de impulsionar a mudança de leis nos EUA. E no Brasil também houve mudança. Nos meses que se seguiram ao lançamento do podcast, o número de denúncias de suspeita de trabalho análogo à escravidão doméstica mais do que dobrou em território nacional. É por isso que acho válido, até importante, trazer ao público uma série sobre esse caso.

Que mensagem você espera que o público leve da série, especialmente aqueles que já conhecem a história através do podcast?
Chico: No fim, é uma série sobre um caso pesado e com passagens muito tristes. Mas existe um fundo de humanidade nessa história. Quando ouvimos as vizinhas e as amigas da Dona Hilda nos EUA, percebemos que esse crime só conseguiu ser levado à Justiça graças à atenção dessas pessoas e da vontade de ajudar uma pessoa que estava sendo explorada. Para mim, a mensagem da série é que devemos prestar atenção em quem está ao nosso redor e intervir quando desconfiar que alguém está em uma situação ilegal ou injusta.

Que conselho você daria para jornalistas que sonham fazer jornalismo investigativo?
Chico: Venham, é legal demais. Mas venham com muita energia e preparo para levar muito mais "nãos" do que "sins".

Os três episódios da série documental A Mulher da Casa Abandonada serão lançados no dia 15 de agosto de 2025 no Prime Video, nos mais de 190 países onde a plataforma está disponível.